Este artigo visa promover os direitos que o estudante possui quando está inadimplente com a universidade, pois a situação é repleta de nuances, vez que o que está em jogo é o direito fundamental à educação, o que, por si só, merece regramento especial.
É comum, ainda mais em tempos de crise, que os estudantes não consigam honrar com seus débitos junto às universidades, as quais, como sabido, possuem mensalidades caríssimas, incompatíveis com a vida financeira de um simples universitário.
Este artigo visa promover os direitos que o estudante possui quando está inadimplente com a universidade, pois a situação é repleta de nuances, vez que o que está em jogo é o direito fundamental à educação, o que, por si só, merece regramento especial.
De arrancada, insta frisar que este artigo tomou por base os apontamentos do professor Márcio André Lopes Cavalcante ao comentar o informativo 591 do STJ em seu site Dizer o Direito (link ao final).
Ademais, o professor Márcio, ao tecer seus comentários, tomou por base o seguinte julgado do Tribunal da Cidadania:
“Instituição de ensino superior não pode recusar a matrícula de aluno aprovado em vestibular em razão de inadimplência em curso diverso anteriormente frequentado por ele na mesma instituição” (STJ. 2ª Turma. REsp 1.583.798-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 24/5/2016).
Primeiro de tudo, consigna-se que é aplicável o Código de Defesa do Consumidor às relações entre estudante para com a universidade, conforme entendimento do próprio superior Tribunal de Justiça:
“O contrato de prestação de serviços educacionais está sujeito às disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor–CDC. A prestação de serviços educacionais caracteriza-se como relação de consumo. O estudante é um consumidor de serviços educacionais” (STJ. 3ª Turma. REsp 1155866/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 10/02/2015).
Nessa conjuntura, indaga-se: é possível que a instituição de ensino particular se recuse a renovar a matrícula do aluno inadimplente? Ex: Pedro está devendo 4 mensalidades; a faculdade pode se recusar a matriculá-lo no período seguinte caso ele não pague? SIM, o tema é tratado pelos arts. 5º e 6º da Lei nº 9.870/99 e as regras podem ser assim resumidas:
Os alunos já matriculados possuem, em regra, direito à renovação das matrículas, observado o calendário escolar da instituição, o regimento da escola e as cláusulas contratuais;
Os alunos que estejam inadimplentes há mais de 90 (noventa) dias estão sujeitos a sanções legais e administrativas e podem ser desligados;
Contudo, esse desligamento por inadimplência somente pode ocorrer ao final do ano letivo ou, no caso de ensino superior, ao final do semestre letivo quando a instituição adotar o regime didático semestral;
Assim, o aluno inadimplente não pode ser desligado durante o período de aulas;
Se a inadimplência for maior que 90 (noventa) dias, a instituição tem o direito de se recusar a renovar sua matrícula para o semestre ou ano seguinte.
Deveras importante é o que a instituição financeira não pode fazer com o aluno inadimplente. Vejamos:
Proibir que ele faça provas;
Reter seus documentos escolares;
Aplicar quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento.
Ademais, os estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior deverão expedir, a qualquer tempo, os documentos de transferência de seus alunos, independentemente de sua adimplência ou da adoção de procedimentos legais de cobranças judiciais (art. 6º, § 2º da Lei nº 9.870/99).
Voltando ao raciocínio do julgado tomado por base para os apontamentos do professor Márcio, a instituição de ensino pode negar a matrícula do aluno em um determinado curso considerando que sua inadimplência quanto às mensalidades se deu em curso diverso e ultrapassou 90 (noventa) dias? NÃO.
Neste exemplo hipotético, não se está falando em renovação de matrícula, mas sim na constituição de uma nova relação jurídica, ainda que na mesma instituição de ensino, vez que a inadimplência se deu quando o aluno estudava um determinado curso, porém, a nova matrícula se deu em outro curso.
Logo, não se aplicam os arts. 5º e 6º da Lei nº 9.870/99, uma vez que tais dispositivos tratam apenas de renovação de matrícula, ou seja, do caso da pessoa que já está no curso, deixa de pagar e, por isso, pode ser impedida de renovar sua matrícula para o semestre seguinte (mesmo curso).
Não se mostra razoável que se faça uma interpretação extensiva dos arts. 5º e 6º de modo a prejudicar o consumidor, em especial aquele que almeja a inserção no ambiente acadêmico.
Assim, a conduta da instituição de negar a matrícula inicial do aprovado no vestibular porque ele tem outros débitos anteriores, relativos a outro curso, não tem respaldo legal.
A eventual cobrança de valores em aberto poderá ser realizada, porém pelos meios legais ordinários, não se admitindo a pretendida negativa de matrícula, consubstanciando tal hipótese prática abusiva merecedora de proteção do Código de Defesa do Consumidor, abusividade esta que poderá ser atacada mediante Mandado de Segurança ou ação ordinária.
Fonte: jusbrasil